Cultura, França

Rebola o quê?

A luta pelos direitos das mulheres já teve diferentes celebridades francesas a seu favor, a começar pela escritora e filósofa Simone de Beauvoir, autora de verdadeiros tratados sobre a condição feminina e questões sociais diretamente relacionadas ao gênero. 

Intelectuais puristas poderão tremer com esta comparação, mas o que a belga Angèle, atual queridinha da música pop francesa e Madame Beauvoir podem ter em comum? Bastante.

Enquanto Simone constituiu um marco no meio intelectual ao defender a igualdade levando em conta as diferenças entre mulheres e homens,  Angèle encarna o espírito da libertação feminina nas suas canções e na forma como atua artisticamente. Não por acaso ela foi escolhida para abrir o Festival de Cinema de Cannes este ano interpretando a canção Sans Toi, em homenagem ao músico Michel Legrand e à cineasta feminista Agnès Varda, ambos falecidos neste primeiro semestre. 

A atitude pró-empoderamento feminino de Angèle é visível em especial no hit “Balance ton quoi” – “Rebola o quê?”, em tradução literal, mas cujo significado é “Denuncie abusos sexuais”. Seu título faz alusão direta à expressão “Balance ton porc”, que é a versão  francófona equivalente ao grito de guerra do movimento Me too, contra o assédio na indústria cinematográfica de Hollywood. Este repercutiu no meio artístico brasileiro e levou à criação do lema “Mexeu com uma, mexeu com todas”.

“Balance ton porc”, por sinal, é um título que faz uso de um tipo de gíria muito típica da língua francesa: o verlan, que consiste em na inversão da ordem das sílabas em uma palavra. Assim, o que inicialmente significaria “Balance teu corpo” (Balance ton corps), se torna “Balance teu porco” (Balance ton porc).

Mas, voltando à Angèle, ao ouví-la de forma desavisada, você pode achar que se trata de mais uma garota de voz doce, ao melhor estilo francês, cantando um pop romântico. Porém, atentando para a letra de Balance ton quoi e para os detalhes do clipe que a divulga, perceberá que ela vai muito além.

A música é um recado mais que direto a homens que ainda insistem em encarar a mulher como um ser inferior  – é, eles ainda existem! A crítica a eles, no entanto, é apresentada de forma graciosa e bem humorada e por isso tem mais chances de fazer pensar. Até palavrão é dito de forma fofa!

Transcrita no arquivo abaixo, disponível em formato pdf para download e eventual uso em aulas de francês, a letra da canção é um festival de liberdades poéticas, e por isso é de difícil tradução, mas o exercício vale a pena, especialmente se você acompanhar o seu desenrolar assistindo ao clipe. Trata  basicamente do quanto é cansativo para as mulheres brigar o tempo inteiro para serem ouvidas e tratadas com igualdade. Mas dá o seu recado de esperança ao afirmar com certa insistência “Un jour peut-être ça changera” (um dia talvez isso mude).

Se você gostar da música, dedique especial atenção à encenação no finalzinho do clipe, onde é simulada uma aula em uma suposta “academia anti-sexismo, aberta a todos os interessados”. Os diálogos na “escolinha da tia Angèle”, também transcritos no arquivo em pdf, são caricatos e divertidos, mas mostram que ainda há muito a ensinar e aprender quando o assunto é a igualdade de gênero. 

Angèle como a professora meio descrente da escola anti-sexismo, ao final do clipe de “Balance ton quoi”

Observe só a expressão da professora ao responder o óbvio quando um dos alunos pergunta o que fazer quando sua parceira está dormindo: “Tu la laisses dormir” (Você a deixa dormir). Ou a carinha de desolação que ela faz lá pelos 3min12 do clipe, quando um aluno que parecia ter incorporado os preceitos da escola põe tudo a perder ao ser provocado por um colega. 

Chegando ao final do clipe, muito provavelmente o Youtube sugerirá outros da cantora. Recomendo uma espiada em  La loi de Murphy (A lei de Murphy). E depois me diga se você ainda acha que está tendo um dia ruim….:-)

https://francamais.com.br/wp-content/uploads/2019/08/balance-ton-quoi_traduc387c383o-060819-1.pdf

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Publicado por Hellen Souza

Meu nome é Hellen Souza, sou jornalista e francófila, ou seja, adoro a cultura francesa. Aqui você encontrará informações sobre o que acontece atualmente nesse país que já foi berço de transformações sociais.

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