Cada lugar tem suas tradições na hora de festejar o encerramento de um ano e o início de um novo. Por termos em comum com a França a predominância da religião cristã (embora oficialmente o país seja laico), celebramos de forma semelhante datas como o Natal, com alguns rituais e costumes que cada um adapta à sua maneira.
A decoração da árvore de Natal, a montagem do presépio, a ceia e a entrega dos presentes na noite do dia 24 ou no dia 25 (para as crianças), seguem modelos muito parecidos com os que praticamos por aqui. As diferenças ficam por conta, talvez, do colorido e da musicalidade que nós, brasileiros, acrescentamos aos nossos festejos natalinos e da virada de ano. Mas a França não fica atrás em termos de espetáculos e hábitos, que não podem ser ignorados pelos apreciadores da cultura francesa. Vamos a alguns.
Dezembro começa com a festa das luzes
O tradicional espetáculo Fête des Lumières (ou festa das luzes) é realizado na cidade de Lyon, durante quatro dias, no início do mês de dezembro, sempre próximo ao dia 8, razão pela qual também é conhecido como “festa do 8 de dezembro”. A escolha da data, de acordo com a maioria das fontes de pesquisa disponíveis, estaria relacionada a questões religiosas: a iluminação das casas por ocasião da inauguração da estátua da Virgem Maria, em 1852. A preparação dessa homenagem, porém, demorou bastante, e o tempo dá margem a inúmeras versões para os acontecimentos. Ainda assim, a cidade de Lyon teria feito essa consagração por ter sido protegida pela Virgem da propagação da peste em 1643, ano em que o sul do país padeceu com a enfermidade. Considere-se, no entanto, que o apelo às chamas pode estar fundado no significado milenar do fogo como agregador e como ferramenta fundamental da humanidade para vencer a ameaça do frio.
Desde 1852 a festa se repetia anualmente de maneira discreta, com o acendimento espontâneo de luzes e, para os mais fiéis, o acendimento dos chamados “lumignons“, ou seja, copos contendo uma vela, no parapeito das janelas.
Porém, de 1989 para cá, o evento assumiu uma conotação mais profissional e comercial, passando a ser composto por verdadeiras instalações artísticas cuja execução é apoiada pela prefeitura local e por diversos patrocinadores. Isso aos poucos tornou o festival uma mega-atração turística cuja duração se estendeu para quatro dias desde 1999, ganhando mais relevância a cada ano e assumindo até mesmo dimensões internacionais. Este ano, por exemplo, a festa aconteceu entre os dias 5 e 8 e o seu término foi acompanhado também em São Paulo, diretamente, em um evento que reuniu a comunidade francófila em um restaurante paulistano no dia 8 de dezembro.
A cada ano o festival conta com mais recursos técnicos para encantar e surpreender o público com a projeção de luzes e execução de efeitos incríveis, cuja retrospectiva pode ser vista na página do evento no Facebook ou no canal do evento no Youtube.
Bûche de Noël para a mesa de Natal
O que você faz questão de ter na mesa na sua noite de Natal? Pergunte isso a um francês típico e você seguramente terá como resposta: “une bûche de Noel”, ou, em tradução literal, um tronco de Natal. Trata-se de um tradicional bolo do tipo rocambole, com formato que imita um tronco de árvore, e cuja receita foi ganhando releitura ao longo dos tempos, ao sabor da evolução dos hábitos gastronômicos.
Originalmente feito com massa que se assemelha à do pão de ló e coberto com chocolate, o tradicional bolo hoje possui até mesmo versões com massa de Matcha (chá verde em pó)… para horror dos mais ortodoxos.
As suas origens estariam em uma tradição pagã, segundo a qual camponeses queimavam troncos no período de Natal em um ritual para pedir a graça de uma boa colheita para o ano seguinte, razão pela qual era escolhido preferencialmente um tronco de árvore frutífera.
Os troncos deveriam permanecer queimando o mais lentamente possível, iluminando e aquecendo as casas durante, pelo menos, toda a noite de Natal e, em alguns casos, até o dia de Reis, ou Épiphanie (veja mais abaixo). Para alguns, o ritual está ligado a tradições celtas associadas ao solstício de inverno no Hemisfério Norte. Também os celtas atribuiriam propriedades mágicas às cinzas do tronco, que eram recolhidas e compartilhadas para proteger os lares da fúria da natureza, do mal e para trazer boa colheita no ano seguinte.
Com o advento da eletricidade e tantas outros recursos derivados da evolução científico-tecnológica, a iluminação e as boas colheitas se tornaram mais previsíveis ou programáveis, e a tradição se resumiu à representação do tronco sagrado em um bolo de mesmo formato, decorado com frutas de forma a lembrar o original. Servido e compartilhado após o jantar de Natal, ele continua a simbolizar o desejo de trazer bons auspícios para o ano que está prestes a se iniciar. Este ano me arrisquei a fazer um. E, modéstia à parte, o resultado ficou pas mal du tout! :-).
Quer tentar?Tem muitas receitas disponíveis na internet. Basta buscar por Bûche de Noel ou bolo tronco de Natal no seu site favorito de receitas.
Ah, e olha só: sabe o réveillon, que a gente conhece como sendo a noite da virada do ano? Pois bem, réveillon — que deriva do verbo réveiller, acordar — é também, e principalmente, a virada do dia 24 para o 25 de dezembro, ou seja, a noite de Natal.
O Ano Novo
Bonne année! (Bom ano!). É assim que se expressam os bons votos para a chegada do novo ano, com festas começando no dia 31, dia de São Silvestre. Uma tradição francesa para o evento é decorar a casa ou a mesa com ramos de gui, uma plantinha com pequenos frutos brancos que simboliza a felicidade. À meia noite, cumprimentos regados a champagne incluem os desejos de boa saúde e de um bom novo ano.
… L´Épiphanie, ou dia de Reis
O dia de Reis, ou “l”Épiphanie” (pronuncia-se “êpifâni”), é celebrado no dia 6 de janeiro, ou no primeiro domingo do novo ano, que em 2020 cairá no dia 5, seguindo a tradição cristã que comemora o encontro dos três reis magos com o menino Jesus, em sua primeira manifestação sobre a Terra. Daí o uso do termo epifania, ou seja, a manifestação ou revelação de algo ligado ao mundo espiritual. E um ícone desse dia é a chamada gallette des Rois, ou torta de Reis, que simboliza os presentes que os três reis magos teriam oferecido a Jesus.
Uma tradição antiga e não religiosa consistia em festejar Saturno, deus da agricultura e do tempo, entre o final de dezembro e início de janeiro, servindo-se num grande banquete uma preparação culinária em cujo recheio se escondia uma semente de fava. Quem a encontrasse era nomeado rei ou rainha da noite. A Igreja teria se inspirado nesta festa pagã e instituído o dia 6 como o dia de Reis, ou Epifania.
Ao longo do tempo, esta preparação culinária se tornou a torta conhecida como gallette des Rois (torta de Reis ou bolo de Reis), e a fava foi substituída por amêndoas, pistache, e até mesmo por uma moeda (devidamente higienizada, é claro), escondida no recheio. Quem a encontra é “coroado” rei ou rainha da noite, ficando com a coroa de papelão que costuma adornar a torta, mas em contrapartida fica encarregado(a) de providenciar a gallette do próximo ano.
O que você poria na sua gallette?
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